Um aviso. E daqueles bem diretos. Em artigo publicado na segunda quinzena de março no USA Today, o jornal de maior circulação dos Estados Unidos, o professor de Ética Cristã da Universidade de Mercer, no Estado da Geórgia, David P.Gushee, já dizia a que vinha no título: Presidente Obama, nós Precisamos Mais do que Discurso. Gushee, que é batista e presidente da organização não-governamental Evangelicals For Human Rights, dizia em seu artigo em tom de advertência que ‘evangélicos moderados’ como ele estavam desapontados com as primeiras medidas da administração Obama em assuntos caros à comunidade cristã, como o aborto e a pesquisa com células-troncos de embriões.
A escolha da governadora democrata Kathernine Sibelius, uma católica favorável ao direito de as mulheres decidirem se querem ou não abortar, para a secretaria da Saúde - cargo equivalente ao do ministro José Gomes Tinhorão no Brasil - e o anúncio das revogações de políticas adotadas com pompa pelo governo Bush, como a proibição de se enviar fundos federais para organizações que promovam o direito ao aborto e as restrições às pesquisas com células-tronco embrionárias, alarmaram os evangélicos centristas, importantes na vitória apertada de Obama em Estados mais conservadores, como Colorado, Virgínia e Indiana. Especialistas acreditam que este grupo representa cerca de 6 milhões de eleitores em todo o país, mas concentrados nos chamado swing states, que ora votam com a direita, ora com a esquerda.
Desde o início da campanha eleitoral, Obama contou com o jovem reverendo Joshua DuBois, um líder pentecostal, para estabelecer uma ponte entre sua candidatura e cristãos moderados, tanto protestantes quanto católicos. A brecha na coalizão cristã, que votou em peso em George W. Bush nas eleições de 2000 e 2004, levou a números significativos: nas eleições de novembro, Obama praticamente dobrou o número de eleitores evangélicos caucasianos entre 18 e 44 anos em relação a John Kerry há cinco anos.
Gushee, autor de O Futuro da Fé na Política Americana, constatou uma ‘divisão de gerações’ entre os evangélicos que enfraqueceu a coalizão republicana. Mas lembra agora que a dificuldade do governo Obama em encontrar um meio-termo em suas políticas sociais - por exemplo, cumprindo a promessa de campanha de criar iniciativas voltadas para a prevenção e redução do aborto - pode aliená-lo de uma base importante para as ambições futuras do Partido Democrata. Mais preocupado com uma crise moral gerada pela ausência de salvaguardas para os moderados - por exemplo, o respeito do governo a médicos cristãos que se recusem a fazer aborto - do que em uma concentração ainda maior de evangélicos apoiando o Partido Republicano já nas eleições de 2010, quando boa parte do Congresso será renovada, Gushee conversou com o Terra sobre as guerras culturais que teimam em permanecer no centro do tabuleiro político norte-americano.
O título de seu artigo na página de Opinião do USA Today é bem forte. O senhor acredita que parte dos chamados evangélicos moderados já se sentem traídos pela administração Obama em pouco mais de dois meses de governo?
A escolha da governadora democrata Kathernine Sibelius, uma católica favorável ao direito de as mulheres decidirem se querem ou não abortar, para a secretaria da Saúde - cargo equivalente ao do ministro José Gomes Tinhorão no Brasil - e o anúncio das revogações de políticas adotadas com pompa pelo governo Bush, como a proibição de se enviar fundos federais para organizações que promovam o direito ao aborto e as restrições às pesquisas com células-tronco embrionárias, alarmaram os evangélicos centristas, importantes na vitória apertada de Obama em Estados mais conservadores, como Colorado, Virgínia e Indiana. Especialistas acreditam que este grupo representa cerca de 6 milhões de eleitores em todo o país, mas concentrados nos chamado swing states, que ora votam com a direita, ora com a esquerda.
Desde o início da campanha eleitoral, Obama contou com o jovem reverendo Joshua DuBois, um líder pentecostal, para estabelecer uma ponte entre sua candidatura e cristãos moderados, tanto protestantes quanto católicos. A brecha na coalizão cristã, que votou em peso em George W. Bush nas eleições de 2000 e 2004, levou a números significativos: nas eleições de novembro, Obama praticamente dobrou o número de eleitores evangélicos caucasianos entre 18 e 44 anos em relação a John Kerry há cinco anos.
Gushee, autor de O Futuro da Fé na Política Americana, constatou uma ‘divisão de gerações’ entre os evangélicos que enfraqueceu a coalizão republicana. Mas lembra agora que a dificuldade do governo Obama em encontrar um meio-termo em suas políticas sociais - por exemplo, cumprindo a promessa de campanha de criar iniciativas voltadas para a prevenção e redução do aborto - pode aliená-lo de uma base importante para as ambições futuras do Partido Democrata. Mais preocupado com uma crise moral gerada pela ausência de salvaguardas para os moderados - por exemplo, o respeito do governo a médicos cristãos que se recusem a fazer aborto - do que em uma concentração ainda maior de evangélicos apoiando o Partido Republicano já nas eleições de 2010, quando boa parte do Congresso será renovada, Gushee conversou com o Terra sobre as guerras culturais que teimam em permanecer no centro do tabuleiro político norte-americano.
O título de seu artigo na página de Opinião do USA Today é bem forte. O senhor acredita que parte dos chamados evangélicos moderados já se sentem traídos pela administração Obama em pouco mais de dois meses de governo?
O mais correto seria dizer que estamos preocupados. Tememos não conseguir mais nada além do que palavras. Palavras e nada mais. Mas não estamos convencidos de que esta seja a instância final do governo Obama. O artigo representa um preocupação de que as promessas que o presidente fez durante a campanha e a esperança que ele nos despertou em termos de encontrar um caminho do meio não sejam de fato realizadas. Mas, ao contrário dos mais conservadores, não desistimos de Obama. Não acreditamos que ele seja falso ou um mero impostor, como a direita radical já o apresenta.
O senhor esteve próximo dele durante a campanha eleitoral no ano passado. Poderia dividir suas impressões sobre Obama?
Ele é extremamente inteligente e o que mais me impressiona é a capacidade de manter a calma no meio do furacão. Ele é disciplinado, conduziu uma campanha de forma honrada, e a experiência de líder comunitário possibilitou a ele se aproximar dos mais diversos grupos, incluindo os evangélicos moderados. Em termos religiosos, ele me parece ser alguém em busca de respostas, que tem interesse em diversas orientações religiosas. Ele me disse que era um cristão, e acreditei nele. Mas creio que ele se sente mais confortável com o aspecto social da religião, a vê como força impulsionadora de justiça social. E, apesar de muito jovem e inexperiente, foi, sem sombra de dúvida, o candidato que mais nos impressionou desde as primárias do ano passado.
O senhor escreveu que a promessa de levar para Washington uma ‘liderança transformativa’ foi justamente o que mais o impressionou em Obama. Que seria possível possível um modelo diferente do de George W.Bush, que dividiu ainda mais o país em questões de âmbito culturais e sociais…
O estilo de Obama, em geral, é conciliatório, e isso é ajuda claramente o debate. Mas meu artigo centra em suas ações, depois de ocupar a Casa Branca, no que se refere ao aborto e a outros temas correlatos. Ações que não levaram a consenso algum. São apenas posições clássicas liberais, de esquerda.
Uma de suas maiores decepções parece ser o esquecimento de uma das promessas de campanha dos democratas que recebeu maior acolhida entre os evangélicos moderados, a de que o novo governo iria iniciar esforços para a redução do número de abortos no país…
Sim. Existem estudos que mostram como a ausência de políticas públicas levam a um incremento do aborto ou a não se levar em conta outras formas de prevenção ou soluções alternativas. O uso de contraceptivos, a educação sexual nas escolas, uma política de prevenção a abusos sexuais, o investimento do Estado nos casos de gravidez de pessoas menos favorecidas economicamente e uma política eficiente de estímulo à adoção passam pela questão do aborto. No mundo industrializado, os EUA têm os piores números no que diz respeito à gravidez indesejada. Há os casos de mães e casais que não têm plano de saúde e por isso acabam optando pelo aborto e o Estado precisa atuar nestes casos. O que queremos é que não haja esta possibilidade em um país rico como os EUA - a escolha o aborto exclusivamente porque não se tem dinheiro para criar um filho ou sequer para as despesas-extras no período de gravidez. Estamos prontos para trabalhar tanto com a secretária Sibelius quanto com o presidente Obama no desenvolvimento desta estratégia.
Aqui há uma clara distinção entre evangélicos e católicos…
Sim, no que diz respeito ao uso de contraceptivos. Sabemos disso, e este é um teste difícil para a Igreja Católica, que se opõe a métodos de controle natal, com exceção da abstinência sexual.
No Brasil há uma discussão neste momento gerada pelos abortos clandestinos, que poderiam chegar a 1 milhão por ano, de acordo com estimativas extra-oficiais. O senhor acredita que a legalização do direito ao aborto seria uma salvaguarda para a saúde de mães dispostas a interromper a gravidez?
Não tenho como entrar na realidade específica do Brasil, mas aqui nos EUA, por exemplo, não há a menor chance, em um futuro próximo, de que o direito ao aborto seja colocado fora-da-lei. Então, é possível, para um cidadão religioso, como eu, lamentar este fato e lutar para reduzir o número de abortos. Partimos do princípio de que há uma demanda por aborto em toda e qualquer sociedade em que o número de gravidez indesejada é grande. A mensagem dos religiosos não pode ser apenas não faça aborto, mas sim evite a gravidez indesejada.
No Brasil, a Igreja Católica acaba de excomungar a mãe de uma menina de 9 anos, violentada pelo padrasto. A família optou pelo aborto, previsto pela lei, e os médicos que a atenderam também foram excomungados pelo Arcebispo de Recife e Olinda. O fato gerou reações do presidente Lula e do Ministro da Saúde, que enfatizaram a necessidade de se proteger a vida de uma criança vítima de um abuso sexual. O senhor não acha que líderes religiosos deveriam se abster de grandes debates públicos e se concentrarem em seu próprio rebanho?
Penso que líderes só são de fato religiosos e não políticos quando se lembram que sua audiência são os fiéis, seu rebanho. Quando tratamos de sociedades plurais, como a brasileira e a norte-americana, não há como pensar diferente. Pode-se proclamar seus valores, mas todos o estão fazendo: cristãos, judeus, muçulmanos, sem-religião, judeus. Cabe à comunidade decidir os valores que prevalecerão na sociedade. Diria que um valor religioso muito pouco apreciado, infelizmente, e que cabe aqui neste caso, é a liberdade de consciência.
Mas não seria este justamente o caso da discussão sobre o aborto?
Aí há uma luta de visões. Há quem considere sim esta uma questão de liberdade individual. Outros dizem que é uma proteção do ser humano em seu estado mais vulnerável.
O senhor claramente está com o segundo grupo. E ainda vai além, afirmando que a justificativa ética para a pesquisa científica, no caso das células-tronco embrionárias, seria semelhante a fins condenados pelos liberais e pela esquerda - como o incremento econômico e a segurança nacional. Fins que não justificariam jamais os meios, no caso a destruição do meio-ambiente e o uso da tortura.
Exatamente. E creio que tenho credibilidade para lidar com estes temas, já que fui um dos primeiros a colocá-los em destaque dentro da comunidade evangélica nos EUA. Defendo um limite nos experimentos médicos porque existem certos direitos intrínsecos do ser humano. Do mesmo modo que você não pode torturar um homem para garantir a segurança de milhares de outros, também não é eticamente correto fazer experimentos com embriões para o benefício da humanidade. A ética cristã, neste caso, funciona de modo igual, oferecendo um compromisso com a dignidade do ser vivo que não pode ser abordado como mais um item de comércio. Não se pode trocar uma vida pela outra. De certo modo, este utilitarismo é o que condenamos na prática do aborto também. Em nossa sociedade quase tudo pode ser trocado por algo que teria um valor supostamente maior, o que é extremamente perigoso.
O que me leva ao fim de seu artigo, em que o senhor diz que ’se perdermos estas batalhas’, se ‘não alcançarmos um caminho do meio’ a sociedade norte-americana entrará em um período de grande crise moral. O senhor diria que este poderia ser mais um imenso problema para a administração Obama?
A sociedade institucionalizar o que chamamos de aborto on demand, ou seja, pela simples vontade da mulher, nos seis primeiros meses de gravidez, quando e como ela bem entender, é uma coisa. Mas não se respeitar o direito de médicos ou hospitais cristãos de se recusarem a fazer este aborto é outra. O que queremos evitar é uma guerra contra a religião. Não acredito que isso vá acontecer, mas parte de meu artigo foi uma advertência para que o governo proteja o direito de consciência dos profissionais de saúde e das instituições religiosas ou uma grande parcela da sociedade americana vai se sentir atacada por esta administração e isso seria muito, muito, muito ruim.
O senhor já vê parte da comunidade evangélica mais moderada votando no Partido Republicano em 2010 por conta das primeiras medidas anunciadas pelo governo Obama?
Ainda é cedo para sabermos se já houve esta migração na intenção de votos. Veja bem, 78% dos evangélicos caucasianos votaram em Bush em 2004 e 74% em McCain no ano passado. Então, a maioria seguirá votando na direita. Mas, claramente, houve uma mudança entre os mais novos, e em Estados que decidem o Colégio Eleitoral. O número de votos que o tíquete democrata recebeu entre jovens evangélicos foi o dobro do que recebera em 2004! E aí, sim, há um risco de evangélicos moderados, assim como de católicos centristas, que esperavam posições menos partidárias de Obama, abandonarem o presidente. É preciso que ele mande sinais de que implantará de fato uma política de redução do aborto como disse que faria. Mas ainda é cedo, e não se pode esquecer que há uma profunda crise econômica que afeta muito mais os eleitores neste momento do que os temas culturais e sociais.
Fonte: Terra
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