terça-feira, 8 de abril de 2008

O Israel de Deus

Por Thomas Ice
"E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus" (Gl 6.16).
Pouco antes de escrever este artigo, eu conversava com um amigo sobre o moderno Estado de Israel. Esse amigo, nascido e educado em Damasco, na Síria, é muçulmano. Trata-se de uma pessoa bem-educada, que vive nos EUA há cerca de 40 anos. Nossa conversa ia se desenvolvendo até que, em certo ponto, fiquei desconcertado quando ele afirmou que o povo judeu de hoje não tinha direito à terra de Israel, pois a Igreja teria ocupado o lugar de Israel. Para fundamentar sua alegação, ele citou Gálatas 6.16. Fiquei surpreendido pelo fato de um muçulmano ter tal compreensão da falsa doutrina cristã chamada de "teologia da substituição". Não é de admirar que se ouça isso em certos segmentos do cristianismo, mas perceber que esse ponto de vista desnorteado havia penetrado na comunidade muçulmana americana foi assombroso para mim.

O que é a "teologia da substituição"?

Kenneth Gentry, teólogo aliancista e preterista, define a "teologia da substituição" – a qual ele defende – da seguinte maneira:

Cremos que a igreja internacional sucedeu, para sempre, o Israel nacional como a instituição para a administração da bênção divina ao mundo.[1]

Gentry empregou o verbo "suceder" como sinônimo de "substituir". Eu até concordaria com sua definição se ele retirasse dela a expressão "para sempre". Nós, dispensacionalistas, cremos que a Igreja sucedeu Israel durante a presente era da Igreja. Deus, entretanto, tem uma época futura em que Ele restaurará o Israel nacional "como a instituição para a administração da bênção divina ao mundo".

À sua afirmação inicial, Gentry ainda adiciona o seguinte embelezamento:
Ou seja, cremos que, no desenrolar do plano divino na história, a Igreja cristã é a exata realização do propósito redentivo de Deus. Como tal, a Igreja multirracial e internacional sucede o Israel racial e nacional como ponto de focalização do reino de Deus. Na verdade, cremos que a Igreja se torna o "Israel de Deus" (Gl 6.16), os "descendentes de Abraão" (Gl 3.29), "a circuncisão" (Fp 3.3), o "santuário dedicado ao Senhor" (Ef 2.19-22), e assim por diante. Cremos que judeus e gentios são incorporados eternamente em um "novo homem" na Igreja de Jesus Cristo (Ef 2.12-18). O que Deus ajuntou, não o separe o homem![2]

Randall Price apresenta uma definição excelente e compreensível para a "teologia da substituição":

Uma perspectiva teológica que ensina que os judeus foram rejeitados por Deus e não são mais o povo escolhido de Deus. Aqueles que assumem esse ponto de vista rejeitam qualquer futuro étnico para o povo judeu em relação às alianças bíblicas, crendo que seu destino espiritual se resume em perecer ou tornar-se parte da nova religião que sucedeu ao judaísmo (seja o cristianismo, seja o islamismo).[3]

Talvez a última definição nos dê uma percepção mais clara do que pode haver em comum entre um muçulmano americano e um cristão americano [como Gentry]. Ambos crêem que Israel foi substituído permanentemente pela Igreja e que a Igreja é o Israel de Deus de Gálatas 6.16.

Gálatas 6.16

Gentry acredita que Gálatas 6.16 ensina que a Igreja substituiu ou sucedeu Israel:

Se Abraão pode ter gentios como sua "descendência espiritual", por que não deveria haver um Israel espiritual? De fato, os cristãos são chamados pelo nome "Israel": "E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus" (Gl 6.16).[4]

O "Israel espiritual" realmente existe. Esse termo refere-se aos judeus que confiaram em Jesus como seu Messias. A Igreja, no entanto, nunca é chamada de "Israel espiritual", como Gentry afirma. Vamos examinar Gálatas 6.16 e ver o que realmente está dito ali.

A passagem é simples e clara. A primeira parte do versículo 16: "E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra", refere-se à regra recém mencionada por Paulo no versículo 15: "Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura". Esta é uma categoria espiritual que engloba todos os crentes, para os quais Paulo pronuncia uma bênção: "paz e misericórdia sejam sobre eles". A ela segue-se seu comentário adicional: "e sobre o Israel de Deus".

S. Lewis Johnson examina as diferentes sugestões para a tradução da palavra grega "kai" em Gálatas 6.16 (normalmente traduzida por "e"). Johnson afirma: "Na ausência de fortes razões de ordem exegética e teológica, deveríamos evitar as estruturas gramaticais mais raras quando a comum faz bom sentido".[5] Ele demonstra que não há razão exegética ou teológica para não entender "e" em seu sentido normal nessa passagem. Johnson conclui:

Se a intenção de Paulo fosse identificar "eles" como "o Israel de Deus", então, por que não eliminou simplesmente o "e" ("kai") após "eles"? O resultado seria muito mais apropriado, caso Paulo estivesse identificando o pronome "eles", ou seja, a Igreja, com o termo "Israel". Nesse caso, o versículo seria traduzido da seguinte forma: "E, a todos que andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles, o Israel de Deus"... Entretanto, Paulo não eliminou o "kai".[6]

Johnson está dizendo que não há base textual ou exegética para a crença de Gentry, de acordo com a qual Gálatas 6.16 ensinaria que "o Israel de Deus" inclui a Igreja ou os gentios. A "teologia da substituição" de Gentry não tem base no texto bíblico. Ele deve estar tão cego por causa das exigências de sua falsa teologia, a ponto de continuar insistindo em tal interpretação da Bíblia e na teologia desnorteada que daí resulta. Juntamente com Lewis Johnson, eu me pergunto por que, "apesar da assombrosa evidência em contrário, continua a haver persistente apoio à concepção de que o termo Israel pode referir-se com propriedade a crentes dentre os povos gentios na época presente".[7]

E. D. Burton afirma:

Em vista das fortes expressões antijudaístas empregadas anteriormente pelo apóstolo, ele se sente impelido a enfatizar essa expressão da sua verdadeira atitude para com seu povo – e o faz pela inserção do "e".[8]

O erudito hebreu-cristão Arnold Fruchtenbaum resume a passagem da seguinte forma:

Gálatas refere-se a gentios que procuravam alcançar a salvação pela lei. Eles estavam sendo enganandos pelos judaizantes – judeus que exigiam a adesão à lei de Moisés. Para estes, um gentio tinha de converter-se primeiro ao judaísmo a fim de ser qualificado para a salvação por meio de Cristo. No versículo 15, Paulo afirma que o importante para a salvação é a fé, que tem como conseqüência o ser nova criatura. A seguir, ele pronuncia uma bênção sobre dois grupos de pessoas que deveriam seguir essa regra da salvação unicamente pela fé. O primeiro grupo, referido na passagem pelo pronome "eles", é o dos cristãos gentios, a quem ele havia dedicado a maior parte da epístola. O segundo grupo é denominado de "o Israel de Deus". Nesse caso, trata-se de cristãos hebreus que, em contraste com os judaizantes, seguiam a regra da salvação unicamente pela fé. Por outro lado, nota-se uma distinção entre os dois grupos, pois apenas os cristãos hebreus são o Israel de Deus. Trata-se de uma questão de posição, que aqui representa uma função definida.[9]
Israel sempre significa Israel
Há alguns anos, eu estava discutindo profecia bíblica com alguém que escrevia artigos para uma revista sob a perspectiva da "teologia da substituição". Cada vez que ele substituía Israel pela Igreja em passagens do Antigo Testamento, eu repetia incansavelmente: "Israel sempre significa Israel!" Finalmente, ele queixou-se mais ou menos nestas palavras: "Você fica insistindo em sua pressuposição teológica de que Israel sempre significa Israel!" Eu retruquei que não se tratava de um a priori teológico, mas de uma conclusão exegética.

De fato, na Bíblia inteira não há um único caso em que a expressão Israel se refira a outra coisa que não ao povo judeu. Burton declara:

Não há, realmente, qualquer caso em que ele (Paulo) empregue o termo Israel, a não ser para referir-se à nação judaica ou a parte dela. Esses fatos favorecem a interpretação da expressão como aplicando-se não à comunidade cristã, mas aos judeus. Para ser exato, tendo em vista a expressão "de Deus", a referência não seria à nação como um todo, mas ao Israel piedoso, ao remanescente de acordo com a eleição da graça (Rm 11.5).[10]

Lewis Johnson é igualmente insistente quando diz:

Não existe exemplo algum na literatura bíblica do emprego do termo Israel no sentido de Igreja, ou do povo de Deus composto de cristãos de etnia judaica e cristãos gentios. Por outro lado, também não existem, como se poderia esperar se o contrário fosse verdadeiro, exemplos do emprego da expressão "ta ethnê" ("os gentios") para referir-se especificamente ao mundo não-cristão. Essa expressão é usada apenas para referir-se aos povos não-judeus, embora esses geralmente sejam não-cristãos.[11]

Fruchtenbaum resume assim a distinção entre Israel e a Igreja:

A primeira evidência é o fato de que a Igreja nasceu no dia de Pentecostes, enquanto Israel já existia por muitos séculos...

A segunda evidência é que certos eventos no ministério do Messias foram essenciais para o estabelecimento da Igreja – a Igreja não veio à existência até que certos eventos tivessem ocorrido...

A terceira evidência é o caráter de mistério da Igreja...

A quarta evidência de que a Igreja se distingue de Israel é o relacionamento singular entre judeus e gentios, chamados de "novo homem" em Efésios 2.15...

A quinta evidência para a distinção entre Israel e a Igreja é encontrada em Gálatas 6.16.

Talvez mais uma observação possa ser feita. No livro de Atos, tanto Israel como a Igreja existem simultaneamente. O termo Israel é usado vinte vezes, e o termo "ekklesia" (Igreja), dezenove vezes. No entanto, os dois grupos são sempre tratados de forma distinta.[12]
A afirmação de que "Israel sempre significa Israel" e o fato de Israel e a Igreja serem povos de Deus distintos não são apenas crenças teológicas. Essas coisas são especificamente ensinadas na Bíblia. Atualmente, vivemos na época da Igreja, que se encerrará com o Arrebatamento – que pode ocorrer a qualquer momento –, quando a última pessoa for salva e incluída no corpo de Cristo. Então, a história completará a semana final da profecia sobre as setenta semanas de Daniel, que terminará com a conversão de Israel a Jesus como seu Messias. Isso conduzirá ao reinado de mil anos, no qual Israel será o cabeça sobre todas as nações. Não somente a Bíblia distingue entre o plano de Deus para Israel e Seu plano para a Igreja, mas também ensina, em Gálatas 6.16, a distinção entre judeus salvos e judeus perdidos. Essa é uma das coisas negadas pela "teologia da substituição". C. E. B. Cranfield afirmou a respeito desse assunto:

Somente quando a Igreja insiste em não compreender essa mensagem, quando crê secretamente – talvez de maneira totalmente inconsciente! – que a sua própria existência se baseia em realizações humanas, deixando de entender a misericórdia de Deus para consigo mesma, é que ela se torna incapaz de acreditar na misericórdia de Deus para com o Israel ainda descrente. Desse modo, ela alimenta a idéia má e contrária às Escrituras de que Deus rejeitou o Seu povo Israel e simplesmente o substituiu pela Igreja cristã. Esses três capítulos [Rm 9-11] enfaticamente proíbem-nos de falar da Igreja como tendo tomado, de uma vez por todas, o lugar do povo judeu. ...Mas a pressuposição de que a Igreja simplesmente substituiu Israel como povo de Deus é extremamente comum. ...E, envergonhado, confesso que eu mesmo empreguei, por escrito e em mais de uma ocasião, esta linguagem da substituição de Israel pela Igreja".[13] (Thomas Ice - Pre-Trib Perspectives - http://www.beth-shalom.com.br/)
Notas:
1. Kenneth L. Gentry, Jr., "Supersessional Orthodoxy: Zionistic Sadism", Dispensacionalism in Transition, v. VI, nº 2, fev 1993, p. 1.
2. Kenneth L. Gentry, Jr., "The Iceman Cometh! Moronism Reigneth!", Dispensationalism in Transition, v. VI, nº 1, jan 1993, p. 1.
3. Randall Price, Unholy War: America, Israel and Radical Islam (Eugene, OR: Harvest House, 2001), p. 412.
4. Kenneth L. Gentry, Jr., He Shall Have Dominion: a Postmillennial Eschatology (Tyler, Tex.: Institute for Christian Economics, 1992), p. 167.
5. S. Lewis Johnson, Jr., "Paul and ‘The Israel of God’: An Exegetical and Eschatological Case-Study", em Stanley D. Toussaint e Charles H. Dyer, Essays in Honor of J. Dwight Pentecost (Chicago, Moody Press, 1986), p. 187.
6. Johnson, "The Israel of God", p. 188.
7. Johnson, "The Israel of God", p. 181.
8. Ernest Witt Burton, A Critical and Exegetical Commentary on The Epistle to The Galatians (Edinburgh: T & T Clark, 1920), p. 358.
9. Arnold G. Fruchtenbaum, Hebrew Christianity: Its Theology, History, and Philosophy (Washington, DC: Canon Press, 1974), p. 33.
10. Burton, Galatians, p. 358.
11. Johnson, "The Israel of God", p. 189.
12. Arnold G. Fruchtenbaum, "Israel and the Church", in Wesley R. Willis e John Master, gen. editors, Issues in Dispensationalism (Chicago: Moody Press, 1994), p.116-118.
13. C.E.B. Cranfield, A Critical and Exegetical Commentary on The Epistle to The Romans, 2 vols. (Edinburgh: T & T Clark, 1979), vol. 2, p. 448. Cf. também a edição em português: C.E.B. Cranfield, A Carta aos Romanos (São Paulo: Paulinas, 1992), p. 207.

2 comentários:

Anônimo disse...

Brilhante, Zenobio...
Trata-se de uma abordagem teológica bem avançada...
Israel Silva ("niteroiense")
Brasilia - DF

Zenobio Fonseca disse...

Querido Pastor Israel, Deus é o nosso incentivo e força. Devemos sempre orar por Israel. Este é o caminho das benções para as nações.
"Niterói te espera com sauddes".
graça e paz
Zenóbio