quinta-feira, 5 de junho de 2008

LEI E GOVERNO

Por Rousas John Rushdoony

Hoje em dia é difícil discutir governo porque a palavra governo mudou radicalmente em seu significado. Em meu livro, This Independent Republic, apontei que originalmente a palavra governo nunca se aplicou nesse país ao Estado. A palavra significava, em primeiro lugar, o auto-governo do cristão, o governo básico em toda a história. Segundo, e muito relacionado e quase inseparavelmente ligado com esse, governo significava a família. Toda família é um governo; é a primeira igreja e primeira escola do homem, e é também o seu primeiro Estado. O governo da família — que está sob a responsabilidade do cabeça apontado por Deus, o homem — é básico para a sociedade. Terceiro, a igreja é um governo, com leis e disciplinas. Quarto, a escola é um governo importante da vida de uma criança. Quinto, trabalho ou vocação é uma área importante de governo. Nosso trabalho claramente nos governa e nós governamos nosso trabalho. Sexto, associações privadas, afiliações, organizações e semelhantes agem como um governo sobre nós, já que nos submetemos a esses padrões sociais e governamos outros com as nossas expectativas sociais. Sétimo, o Estado é uma forma de governo, e, originalmente, sempre foi chamado de governo civil por sua diferença a todas essas outras formas de governo.

Mas, tragicamente, quando dizemos governo hoje queremos dizer o Estado, o governo federal, ou alguma outra forma de governo civil. E, mais tragicamente, o governo civil hoje reivindica ser o governo sobre o homem, não um governo entre muitos, mas o governo acima de todos. O governo civil reivindica jurisdição sobre nossas associações privadas, nosso trabalho ou emprego, nossas escolas e igrejas, nossas famílias, e nós mesmos. A palavra governo não mais significa de forma principal e essencial auto-governo; significa o Estado.

No entanto, originalmente, em nossa herança cristã americana, o governo não significava o Estado. Alguns responderiam que, embora isso fosse verdade no período colonial, o quadro mudou após a Guerra da Independência. A resposta a isso é examinar um livro-texto usado nas universidades públicas e em escolas para professores antes da Primeira Guerra Mundial: Elements of Civil Government (New York: American Book Company, 1891, 1903), de Alexander L. Peterman. O autor desse livro era diretor e professor de governo civil na Escola Normal da Faculdade Estadual de Kentucky e também um membro do Senado Estadual de Kentucky. Note também que o título de Peterman fala de governo civil.

O prefácio declara: “Esse livro didático começa ‘em casa’. O ponto de partida é a família, a primeira forma de governo com o qual a criança entra em contato” (p. 5­). De acordo com Peterman, “A família… é a primeira forma de governo, estabelecida para o bem das próprias crianças, e o primeiro governo que cada um de nós deve obedecer” (p. 18). O primeiro capítulo do livro didático de Peterman era dedicado à família, seu propósito, membros, direitos, deveres, funções e responsabilidades. É interessante ver que Peterman escreve que “A função do pai é uma função sagrada, e requer sabedoria para a execução particular dos seus deveres” (p. 19). A perspectiva de Peterman sobre o governo civil era claramente uma de divisão de poderes e federalismo. Ele definiu cinco áreas de governo civil: “o município ou distrito civil, a vila ou cidade, o país, o Estado e os Estados Unidos” (p. 18). Mas, mais importante, tão recente quanto a Primeira Guerra Mundial, o governo civil era uma área menor de governo na vida americana; agora, o governo civil alega ser o governo acima de todos na vida do homem. Essa reivindicação é a essência do totalitarismo. Do auto-governo do cristão como a essência do governo chegamos à idéia do Estado como o governo totalitário sobre o homem.

Quando levantamos a pergunta, “Como isso aconteceu?”, duas respostas estão imediatamente disponíveis. Primeiro, podemos dizer que fomos subvertidos por grupos revolucionários e totalitários, e, segundo, podemos dizer que nossa delinqüência espiritual nos levou a essa triste condição. Claramente, há verdade na primeira resposta. Temos sido o alvo de atividade subversiva em todas as áreas, e agentes altamente treinados e experientes vêm trabalhando em nosso meio por muitos anos. Contudo, nunca houve um período na história americana quando os subversivos não estivessem ativos, nem houve uma civilização em toda a história sem a ameaça de forças hostis. O fato importante a ser lembrado é que sempre seremos ameaçados por algum tipo de subversão. A questão real é: Nós temos a saúde espiritual para resistir à ameaça? Se somos espiritual e moralmente delinqüentes, somos facilmente subvertidos. Em contraste com os milhões de americanos, as forças subversivas são numericamente pequenas, mesmo que as estimemos na casa dos milhões. Nosso problema não é primeiramente o que os outros estão tentando fazer para nós, mas o que temos feito para nós mesmos. Os subversivos são reais e mortais, mas são inúteis contra um povo espiritualmente forte.

Hoje, a maioria dos americanos perdeu sua fé em Cristo como Salvador, e esperam que o governo civil seja o salvador deles. Eles não têm nenhum desejo pelas responsabilidades do auto-governo, e dizem assim para os políticos: “Vocês nos governarão.” Ao invés de Jesus Cristo como o seu bom pastor, eles elegem políticos para serem os seus pastores num programa de segurança socialista para todos. É de admirar que tenhamos sido subvertidos?

Para se ter um governo civil livre é necessário ter em primeiro lugar homens livres cujo maior desejo é o auto-governo responsável sob Deus. Não muitos estão interessados nisso. Um professor, que deixou de ensinar logo após a Segunda Guerra Mundial, palestrou a um grupo de estudantes numa importante universidade ocidental há poucos anos sobre o declínio da liberdade. Para sua surpresa, uma das primeiras perguntas levantada por um estudante foi simplesmente essa: “Por que a liberdade é tão maravilhosa assim? O que o faz pensar que ela é necessária ao homem?” Para os estudantes, a segurança era um objetivo social necessário; a liberdade não. Alguns anos atrás, Lin Yutang registrou que, antes de ele vir para os Estados Unidos, ele pensava na América em termos das palavras de Patrick Henry: “Dá-me liberdade ou então a morte”. Quando chegou aqui, descobriu que o credo americano moderno parecia ser: “Dá-me segurança ou então a morte”. É porque estamos recusando governar a nós mesmos sob Deus e pela graça e palavra de Deus que estamos sendo governados pelo Estado. Como William Penn e Benjamin Franklin observaram há muito tempo, os homens serão governados por Deus ou governados por tiranos. Os americanos estão sendo subvertidos, e eles têm que culpar a si mesmos por isso.

Nosso colapso é secundariamente político; ele é principalmente espiritual. Nossa subversão é secundariamente política; ela é principalmente espiritual.

O governo básico do universo e do homem é o governo de Deus. Toda pessoa, família, instituição, vocação, escola, igreja ou Estado que está em rebelião contra o governo de Deus ou que ignore a sua palavra e lei está com isso em rebelião contra a sua própria saúde, contra sua própria vida. De acordo com S. Paulo, a lei de Deus foi ordenada para a vida, ou, como a versão Berkeley traduz a passagem, a lei “objetivava dar vida” (Rm. 7:10), mas o pecado do homem tornou-a uma sentença de morte. Jesus Cristo, falando como a Sabedoria, disse há muito tempo: “Mas o que peca contra mim violenta a própria alma. Todos os que me aborrecem amam a morte” (Pv. 8:36).

Sempre que um governo se afasta de Deus e da sua palavra, ele se afasta da saúde e no final da vida. O governo de Deus é básico para o auto-governo, para a família, igreja, sociedade, vocações e para o Estado. Seria ridículo um homem planejar uma vida e um futuro no qual o ar for abolido, pois, obviamente, o homem precisa de ar para respirar, para sobreviver, para viver; sua vida depende dele. Ainda mais fundamental, a vida do homem depende do governo de Deus; é essencial para a vida em todas as esferas de existência.

O auto-governo pressupõe liberdade, e não pode existir nenhuma liberdade para o homem fora de Jesus Cristo. Cristo é o nosso princípio de liberdade, a fonte e poder da libertação do homem da escravidão do pecado e da penalidade da morte. Jesus declarou: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14:6). “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36) Esse é o fundamento da liberdade e do verdadeiro auto-governo. Sem esse fundamento, Jesus Cristo, nosso destino é a tirania e a escravidão. Somente em Jesus Cristo a nossa liberdade é assegurada e o verdadeiro governo é possível.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto felipe@monergismo.com
Revisão: Julio Severo
Fonte: Law and Liberty, Rousas John Rushdoony, Ross House Books, pg. 59-62.
Divulgação: www.juliosevero.com

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