“Certa vez, tendo sido interrogado pelos fariseus sobre quando viria o Reino de Deus, Jesus respondeu: "O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está dentro de vocês". Lc. 17:20-21.
O Sagrado em Israel se descaracterizara como experiência religiosa bem antes do tempo Jesus. Na verdade, a fé para os judeus havia se transformado num poderoso sistema que possuía dois grandes tentáculos: um político e o outro econômico. Assim como nos nossos dias, os que mercadejavam o espiritual perceberam que manipular com a fé das pessoas era um extraordinário e lucrativo negócio.
O texto citado acima nos dá a dimensão exata do que estava acontecendo naqueles dias... Mas nós não conseguimos discerni-lo com todos os seus matizes porque o “cenário” no qual os fatos se passam nos é totalmente estranho. No encontro inusitado entre Jesus e os Fariseus, a questão principal não é o que parece estar evidente, ou seja, o Reino de Deus, mas o que está subliminar – o reino dos homens.
Ora, isto pode ser visto claramente na pergunta, aparentemente “espiritual”, – “mostra-nos o teu Reino”. Ela não tinha nada a ver com os conteúdos, valores e princípios éticos do Evangelho de Jesus. A preocupação estava centrada apenas nos aspectos institucionais – nas estruturas físicas (templo, sinagogas), nos códigos regulamentares (a Lei e os Profetas), no centro de decisão (o Sinédrio), nos rituais “litúrgicos” (sacrifícios, oferendas), ou seja, o que estava em “jogo”, era entender quais os mecanismos que compunham a “engrenagem” que o Galileu estava anunciando. E isto era “bastante razoável”, uma vez que o “sistema” que eles possuíam já estava há anos sendo “tecido” pela aristocracia judaica, pelas castas sacerdotais e pelos grupos religiosos e, o melhor de tudo, “operava” perfeitamente.
A religião judaica criara uma opulência que entorpecia o ser. Era um conjunto de ritos e mitos que sacralizava o banal, petrificava o coração, cauterizava as percepções e roubava as emoções. Em torno de tudo aquilo girava uma “máquina” de fazer dinheiro, e era muita grana que circulava em torno do templo, o “centro espiritual” de toda a engrenagem, e de onde os recursos eram distribuídos para manter as benesses de muita gente e para bancar o “custo” da estrutura que era, sem dúvida, muito cara.
Aí vem Jesus que, em vez de propor manter a opulência do “negócio”, trás a mensagem de ressignificação da consciência! O Reino de Deus, anunciado através do Evangelho do Reino, não tinha “donos”, nem “trono”, nem ditames humanos, nem regras, nem lei, nem sacrifícios, nem intermediários sacerdotais, nem traficantes de influências espirituais, nem castas religiosas, nem comércio do sagrado, nem barganhas com a divindade, nem nada! Era a proposta de um Reino que crescia de dentro para fora, que instaurava valores no coração a partir de uma reconstrução da consciência. Por isso a discrepância tão grande entre um projeto e o outro. Agora dá para entender porque a proposta de Jesus era tão bizarra para aquela moçada, porque ela, simplesmente, desmantelava com o sistema inteiro!
O Evangelho do Reino é contra-cultura! É algo que se impõe para derrubar a cultura vigente. É subversão silenciosa, pacífica, de boca em boca, de casa em casa, de pequenos gestos, de serviço ao próximo, de amor ao necessitado, de acolhimento ao excluído. É uma lógica totalmente diferente! O sistema diz: ajunte, acumule, recolha. O Evangelho do Reino responde: espalhe, compartilhe, distribua. Onde um diz: seja servido; o outro preconiza: torne-se servo. Onde um diz: seja o primeiro; o outro afirma: seja o último. Onde um diz: busque reconhecimento; o outro adverte: faça tudo em secreto. Onde um diz: se exalte; o outro ensina: se humilhe. E ainda tem a segunda milha, a túnica junto com a capa, a face para o que o fere, o perdão setenta vezes sete... É metanóia!
Mudar a cultura é mudar a forma como as pessoas vivem. E isto varia de época para época, pois a cultura é um subproduto do social e do humano. É antropológica e temporal, segundo Vergílio Ferreira. Não foi diferente com Jesus. Em seus dias Ele lidava com vários tipos de culturas e filosofias distintas: os epicuristas, os estóicos, os cínicos, os céticos, além de toda a influência helênica – 600 anos de pensamento grego sincretizado com os cultos de mistérios egípcios, culto ao imperador, religiões pagãs e por aí vai... Mas o Evangelho do Reino, pregado pelo Nazareno, e depois pelos seus discípulos, propunha uma contra-cultura que desmantelava com tudo aquilo. E eles subverteram o mundo com a mensagem da paz, da esperança e do amor! E eu lhe afirmo: se já foi feito antes, pode ser feito novamente...
Geraldo D’Almeida Alves nos questiona de forma instigante: “para que servem cultura e filosofia? Na verdade, elas são imprescindíveis ao próprio existir humano. Um homem sem cultura não existe, e a filosofia existe justamente para que toda atividade humana possa ter significado”.
Quando a cultura muda, as pessoas mudam. Por isso Jesus queria estabelecer um novo Reino (uma nova consciência – cultura), baseado num Evangelho que tinha um “vinho novo” (valores e princípios). De lá para cá, vimos o mundo mergulhar em muitas crenças e culturas diferentes: a medieval, a renascentista, a moderna e agora, a contemporânea. Mas o que fez o cristianismo durante este período? Que propostas trouxe como contraponto, como contra-cultura para enfrentar os sofismas e as vãs filosofias? Eu lhes respondo: quase nada. E está ficando cada vez pior... Quem somos nós hoje? Como somos vistos? Como somos interpretados? Quem está disposto a ouvir nossa mensagem? E o principal: por que será que isto está acontecendo? Eu não tenho todas as respostas, mas tenho minhas “teses”. Você não precisa concordar com elas, mas pode a partir delas expandir sua consciência e buscar construir seus próprios “mapas”. Contudo, lembre-se: respostas que não produzem mudanças tornam-se apenas filosofia de botequim.
O problema é que nós nos conformamos à cultura vigente. Nos amoldamos, nos amalgamamos a tudo o que esta posto aí. Vivemos como todo mundo vive, corremos atrás das mesmas coisas, nossas famílias são pautadas pelos mesmos valores, nossos filhos são criados do mesmo jeito, nossos negócios são conduzidos da mesma forma, nossas “igrejas” viraram empresas! A proposta deveria ser exatamente outra: deveríamos nos rebelar pacificamente! Deveríamos denunciar de forma ordeira! Onde está a nossa voz profética? Ela se tornou “profétida” tantos são os escândalos nos quais estamos envolvidos. Não há mais diferença, como afirmava o profeta Malaquias, entre o que serve a Deus e o que não serve. Todos são iguais, participam das mesmas práticas, se envolvem nos mesmos conluios, vivem pelos mesmos princípios.
Alguém recentemente me perguntou: “mas pastor, eu vou ter de criar meu filho diferente de todos os outros?”. E eu respondi: “para que então você quer servir a Deus se não está disposta a fazer diferente e fazer diferença!”. Os crentes hoje são execrados na sociedade e com toda a razão, na grande maioria dos casos. Os piores profissionais que trabalharam na minha casa e na minha empresa eram “evangélicos”. Gente de duas conversas, que nunca cumpria prazo, que empenhava a palavra e não a honrava. É o empresário “evangélico” usando caixa dois, meia nota, propina para fechar negociatas, sonegação fiscal, e por aí vai. Qual a diferença?! Onde está a contra-cultura do Reino? E alguém me diz: “mas se eu fizer tudo certinho vou quebrar meu negócio”. Ora, então mude de profissão! É melhor perder o negócio e preservar a salvação e a vida eterna, do que ir para o inferno com o negócio e tudo!
Está achando o discurso duro? Então faça uma pesquisa sobre o que a sociedade acha dos cultos de catarse que promovemos para espoliar as pessoas. Pergunte aos seus amigos e vizinhos o que eles acham dos “evangélicos”. Veja se não estamos associados à idéia de gente perversa, julgadora, presunçosa, arrogante, falsa... Pergunte a deputados e senadores sérios – ainda existem alguns – o que eles acham da bancada “evangélica” no Congresso Nacional? Eu que sou pastor que o diga. Não há ninguém que não me olhe e não ache que eu sou ladrão, manipulador ou aproveitador. E aí me vem, do nada, um fulano querendo saber da marca da besta do apocalipse! Ora meu mano, a marca da besta já está aí, presente em tudo o que se faz neste “sistema” no qual nós estamos imersos. Ela existe desde Caim, que ficou com sua fronte marcada para que todo homem soubesse que ali estava alguém que vivia em desacordo com a vontade de Deus. Não precisa de marca no pulso, na testa, de número 666, porque tudo já está “tatuado” no coração, enraizado em práticas perversas, assumido por uma consciência anestesiada, incapaz de discernir o que o Espírito está falando a Igreja.
E assim vamos vivendo. Misturados ao todo e diluídos na massa, sequer aparecemos. Somos considerados gente de gueto, povo de segunda categoria, seres que não pensam, confraria de tolos. Não influenciamos, mas somos massacrados pelo marketing, pela mídia, pela cultura da aparência, do parecer ao invés do ser, dos valores pagãos, da fé commoditizada, mecanizada, robotizada, que produz uma massa de alienados que não consegue nem influenciar os que estão em suas próprias casas.
É amigos, parafraseando o Lulu Santos, assim caminha a cristandade, com passos de formiga e sem vontade. Até quando? Não sei. Mas parece que algo começa a acontecer, lentamente, silenciosamente. Há uma geração se levantando contra essas coisas, anunciando que Evangelho não é isto, que Jesus nunca propôs nada do que aí está. A revolução não começa nas estruturas, nas denominações, nos grupos se matando uns contra os outros, mas na consciência, numa nova hermenêutica, na ressignificação dos valores e das verdades do Evangelho do Reino, na restauração do ministério profético.
E quando menos se esperar, surgirá de onde não se imagina, dos anônimos de bairro, dos discípulos que estão com a mão na massa, nas chagas das pessoas, socorrendo os desabrigados da Terra, os excluídos da sociedade, porque esta é a Igreja de Jesus. Ela está aí, como sal dissipada pelo mundo, ativa, falando nos blogs "subversivos", na cabeça de pensadores e escritores que fomentam novas idéias, no púlpito de algumas Igrejas, nos corredores dos hospitais, dos presídios, nos encontros de pequenos grupos.
Por isso, saiba: a “massa do bolo” está crescendo e o “caldo está engrossando”. Desta forma, preste atenção! O Evangelho do Reino está sendo pregado novamente e as profundas mudanças por ele trazidas estão a caminho e nada, absolutamente nada, poderá impedi-las de subverter novamente a sociedade e trazê-la para um encontro definitivo – restaurador e pacificador – com o Deus de toda a vida! E nem altura, nem profundidade, nem coisas do presente, nem do porvir, nem principados nem potestades, nada poderá deter o que já se iniciou por vontade única e exclusiva do Senhor de toda a Terra. Quem vai pagar para ver?
fonte: A nova cristandade
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