A manipulação genética é crime tão ou mais grave que o próprio estupro, pois produz efeitos permanentes e irremediáveis.
Os avanços da biotecnologia e da biotecnociência ganham corpo e projetam-se em muitas áreas da saúde, principalmente na engenharia genética, iniciada após a decifração do DNA. Há um fascínio incontrolável do pesquisador em vencer todas as barreiras que se apresentam e, a um só tempo, encontrar tecnologias conceptivas que sejam seguras e viáveis, com o total controle sobre o patrimônio genético.
Se, de um lado, vão abrir novos rumos para que sejam aplicados na solução de infertilidade, a fim de que o cidadão possa exercer seu direito de procriação, por outro, em razão dos caminhos obscuros que vão percorrer, há necessidade de se traçar limites que protejam o ser humano.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo suspendeu o registro do médico em reprodução humana Roger Abdelmassih e o Ministério Público o denunciou pela prática de 56 estupros. A peça acusatória foi recebida e autorizou a decretação da prisão preventiva. Há pouco tempo, o médico geneticista sul-coreano Hwang Woo-suk, conhecido como pesquisador de ponta de embriões humanos, após fraudar suas pesquisas, também perdeu a reputação, foi processado e suspenso das atividades profissionais.
Os dois casos trazem semelhanças e dá para se pensar que o homem, quando se intitula criador, perde a noção ética.
A sindicância instaurada em desfavor do médico brasileiro, em um dos itens, foi conclusiva no sentido de que não se tinha certeza quanto à destinação dos óvulos e espermatozóides congelados. É uma situação delicadíssima, pois os pacientes que procuraram pelo tratamento deixaram depositados seus materiais procriativos, para a realização da fecundação “in vitro”, e posterior introdução do embrião no útero da mulher.
É o caso da fecundação artificial homóloga, prevista no artigo 1597, III do Código Civil.
O descontrole do material fertilizante gera a incerteza de que será utilizado nos interessados à paternidade e pode ocorrer que haja confusão na manipulação, utilizando-se esperma e óvulos que não sejam aqueles coletados dos verdadeiros candidatos. É o caso, guardadas as proporções, da inseminação artificial heteróloga, também prevista no Código Civil. Essa nova técnica conceptiva, dentre outras modalidades, pode ocorrer com a fertilização “in vitro” com sêmen e óvulo de estranhos, implantando posteriormente o embrião no útero da mulher, com a ciência e o consentimento do casal.
Pode acontecer também outra situação embaraçosa. O casal interessado submete-se a todo procedimento, colhe o material necessário, implanta o embrião, que vinga com o nascimento de um filho. O material conceptivo excedente, que produziu bons resultados, sem controle dos pais, poderá ser aproveitado em outro casal, que, por sua vez, com igual sucesso, venha a ter uma filha.
Os filhos de diferentes pais, porém geneticamente dos mesmos, podem se casar no futuro, diante de uma arrepiante situação incestuosa acobertada pela mais sincera boa-fé. Mesmo que não se casem, são irmãos sem jamais terem convivido como tal.
A manipulação genética é crime tão ou mais grave que o próprio estupro, pois produz efeitos permanentes e irremediáveis. Saber que o filho que nasceu de avançada técnica reprodutiva não traz a bagagem genética colhida dos pais seria o mesmo que ter optado pela adoção, procedimento tão solidário e nobre para solucionar o problema de esterilidade do casal.
O sonho de atingir o direito de procriar pode terminar no pesadelo de danos graves e irreparáveis.
Autor: Eudes Quintino de Oliveira Júnior, advogado (OAB-SP nº 35.453) e reitor da Unorp.
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